segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Gotas

            Gotas...

            Os golpes certeiros do podão foram momentaneamente interrompidos. Enquanto enxugava o suor do rosto com o mangote, olhava o céu.
            Não via nuvem alguma, apenas um sol incandescente.
            Veio-lhe a mente imagens da infância, quando brincava na chuva.
            O futebol no campinho de terra encharcada, corrida de barquinho na enxurrada, a piscina improvisada com o vazamento do reservatório que com a chuva transbordava.
            Agora a única gota que sentia era a do suor que brotava de seu corpo.
            Enquanto a lima deslizava por sobre o fio do facão, num gesto quase automático, seus olhos ainda observava o céu.
           Azul. Apenas manchado pela fumaça ao longe no horizonte. Fumaça que ganhava o céu expelida pela grande usina.
           Como um sinal de fumaça era vista ao longe. Que mensagem ela transmitiria?
           Talvez ele nunca entendesse. Afinal, era apenas um cortador de cana. Filho de Ogum. mestre no podão.
           Mas se o sol não fosse tão ofuscante, se sua visão fosse boa o bastante. Talvez ele até pudesse ver além do sinal de fumaça.
           Lá, perto da fumaça, outro ser também observava o céu. Também pensava na infância.
           Recordava de um tempo, quando o chão ali não era tão duro e doce.
           Fechava os olhos, e podia até sentir o toque da grama em seus pés pequenos e descalços.
           Desde pequena, observava as pessoas que ali viviam.
           Como formigas elas buscavam e depositavam os grãos de açúcar em um único monte.
            De grão em grão, uma pedra. De pedra em pedra, uma grande rocha.
            E sobre a rocha fora edificado um castelo. Um castelo de cristal.
            E o castelo de cristal abrigava e protegia, os seus nobres, súditos e vassalos.
            Esse era seu mundo. Um mundo cristalizado e duro.
            Em sua mente, acostumada a um mundo feito de açúcar, a única doçura que ela conhecia provinha do chão que ficava sob seus pés.
            Doçura essa que ela nunca experimentaria, pois era uma nobre, nunca se curvaria.
            Então lá ela ficava ereta em frente à janela de seu castelo. Nem ao menos podia chorar, pois ela em sua ingenuidade achava que uma gota apenas, poderia estragar o seu mundo perfeito.
            Apenas e somente observava ao longe. Um outro mundo. Um mundo que ela jamais compreenderia, ou participaria.
            Talvez o seu maior sonho, estivesse aliado ao seu maior medo.
            Que era brincar na chuva também.
            
               
             
           
            

 
             
           
            

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário