Queria acreditar que na sexta-feira, no finalzinho do dia terei o descanso merecido, inclusive das torturas dos dias quentes. Acreditar que os batimentos cardíacos não representam a fadada estafa que finjo não existir.
Queria acreditar que o tremor de meu olho direito é presságio de coisas boas e que elas chegarão sempre que eu precisar. Acreditar que sou compatível com a minha coragem e esperança e que nada disso será abalado pelas tempestades.
Queria sim, como eu queria acreditar que o êxtase da alegria será proporcionalmente maior do que o da dor e que um dia após o outro é o que devo viver sem muita pressa.
Queria acreditar que o café quente cura ressaca. Que uma noite de sono afasta todos os males. Que o samba me fará dançar mesmo eu não sabendo nenhum passo. Que o doce de leite de minha avó irá retirar o gosto salgado dos problemas. Que o dia transcorrerá normal. Que as pedras no caminho servirão para algo mais além de machucar o dedão do pé. Que o sorriso breve será apenas a apresentação de próxima gargalhada. Que o afago na cabeça, dado pelo homem grande é um gesto de carinho e não interesse escondido.
Queria acreditar na bolsa de valores. No Papai Noel. No sorriso do palhaço. Na previsão generosa da cigana. No automático bom dia da vizinhança. No boa noite do jornalista da TV. Na esperança dos cientistas. Nas promessas dos políticos. No resultado positivo da loteria. No fim da inflação. Na medicina naturalista.
Queria acreditar que relâmpago não é perigoso. Que a taça cheia não vai embriagar. Que chocolate não engorda. Que o bandido irá deixar o crime porque ele não compensa.
Queria acreditar nos livros de autoajuda. Na beleza do meu cabelo liso. Na minha falha memória. No “vai passar” dito para a tristeza.
Sinceramente eu queria acreditar que quando casar sara. Quando crescer passa. Se comer não engorda. Se perdoar a mágoa vai embora. Se insistir dará certo.
Queria acreditar que meu salário dará para todas as despesas. Que eu definitivamente irei aprender os cálculos mais difíceis de Matemática. Queria acreditar na lógica do homem.
Queria acreditar no fim do desafeto. Na insistência da justiça. Na validade do perdão. No término da maldade. Na claridade da verdade. Na ausência da inferioridade. Na cura da saudade.
Queria eu poder acreditar que o afeto será verdadeiro e que a palavra não mais mentirá. Queria acreditar na perpetuação do amor.
Ita Portugal
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